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Jul 2007

Montanha

Tudo isso se passa num crepúsculo, no instante mais vermelho do céu, num lugar que viu sua sacralidade ascender e decair, viu sua glória e sua decadência.

Muitos anos atrás, quando as pessoas ainda subiam pirâmides para fazer sacrifícios, quando ainda temiam eclipses, quando a fertilidade era associada por todos ao poder de muitos deuses, vivia um jovem talentoso.

Seu nome foi esquecido, mas sua alma observou o mundo por muito tempo, e talvez agora permaneça apenas dormindo.

Naquele tempo a colheita era festejada no pôr do sol, todos festejavam, fogos ardiam, danças circulares, danças de dupla e de grupo, comida e pães para todos. Menos um festejava, um jovem era sacrificado a uma grande montanha que os protegia, como acreditavam.

E o jovem escolhido naquela noite era talentoso, foi erguido no alto da pirâmide de degraus grandes, com serpentes decorando suas laterais, um altar já vermelho de tanto sangue ali derramado. Ele foi erguido e caiu sobre uma espada curta, feia e mal afiada, ela lhe atravessou o coração e sua alma caminhou para o oeste, para onde o sol, naquele exato instante, se punha. Para a montanha.

Ele se tornou montanha, e a montanha se tornou ele.

O que antes foi para ele um ano agora lhe era um suspiro.

Assim viu seu povo abandonar os sacrifícios na primavera seguinte, algo os espantou dali, muitos morreram, a fome os assolou, o medo… Não sacrificaram um num ritual, mas todos morreram de fome, pragas ou guerras. Nenhum morreu em paz.

Mais anos se passaram, seu povoado ficou seco, abandonado, sua pirâmide ganhou o aspecto de ruína, as cores desapareceram, as plantas começaram a crescer sobre ela.

Mais e mais anos. Ele viu gente nova passando por ali com medo, era um lugar amaldiçoado, a montanha não lhe protegia mais, apenas lhe observava…

Séculos e novas pessoas vieram, mas não sacrificavam, não honravam os que antes ali viveram, era diferentes… Nem mesmo a pirâmide respeitaram, transformaram-na num hotel, derrubaram parte de suas paredes e tamparam os buracos com vidro azulado.

O céu era mais escuro e vermelho no crepúsculo deste dia que naquele dia do último sacrifício. A cidade nova crescia, pessoas novas surgiam e a prosperidade era alta.

Falava-se que a montanha voltava a lhes proteger.

Então edifícios ainda mais altos que a pirâmide foram construídos, uma enorme estátua foi construída sobre a montanha, e logo a cidade começou a crescer sobre ela.

Cada crepúsculo era mais vermelho.

Então a última rocha da superfície da montanha foi feita em pedaços, um novo edifício seria construído, a noite era vermelha então, e o crepúsculo durou até o amanhecer, a montanha naquela noite morreu, o jovem talentoso de novo caiu em seu sono, o que antes lhe eram suspiros agora eram eternidades inteiras.

Uma nova praga assolou a cidade e crianças nascidas durante a noite não viam o amanhecer… logo a pirâmide de novo foi assolada com insetos e ervas daninhas, logo os edifícios se tornaram ruínas.

Um raio de sol brilhou no céu, iluminou aquelas ruínas, viu-se azul e verde, algo de amarelo e muito pouco de vermelho.

Mas a montanha e seu povo já estavam mortos.

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